Friday, July 28, 2006

Dia Internacional da Mulher Negra



Internacional anti-racismo

27 Julho 2006

Comunidade negra norte-americana enfrenta os mesmo problemas

Judith Morrison, da Inter-Agency Consultation on Race in Latin América fala um pouco sobre a situação dos negros norte-americanos.

O que é preciso fazer para que exista uma maior participação da comunidade negra norte-americana em processos como este da Conferência Regional das Américas?
Existem instituições interessadas no debate e os problemas enfrentados pela população negra no Brasil, no Canadá, no México e em outros países são só mesmos. É o racismo.Somos da mesma família, compartilhamos da mesma história de escravidão e por isso temos possibilidade de ampliar nosso diálogo e estabelecer intercâmbios.
Mas ainda assim, no Brasil e mesmo na América Latina tem-se a impressão de que os afro-americanos não compartilham dos mesmos problemas. Como é isso?
Após a passagem do furacão Katrina, que atingiu o sul do Estados Unidos em 2005, região onde vive grande parte da população negra no país, uma grande reflexão surgiu sobre a situação dos negros nos Estados Unidos. Foi possível pela primeira vez mostrar a pobreza e a criminalização desse grupo. As pessoas pensavam que coisas andavam bem, mas depois deste acontecimento viu-se a situação problemática que a população negra norte-americana enfrenta.

“Há muita pressão dos conservadores para que Governos não liberem recursos”

Entrevista com a presidente do Ação Cidadã (principal partido de oposição da Costa Rica), Epsy Campbell
Em entrevista ao Notícias Contra o Racismo, Epsy Campbell, fala das dificuldades que a sociedade enfrenta para alavancar projetos com recorte racial.

Ontem na abertura oficial da conferência, os expositores falaram muito sobre dificuldade de financiamento de projetos de inclusão com enfoque racial. Aqui no Brasil, o Estatuto da Igualdade Racial ainda não foi implementado de fato por causa da falta de apoio de parte da sociedade, dos parlamentares e de recursos financeiros. Qual a explicação para esse fato?
Apesar de termos avançados nos assuntos relacionados à questão racial, a luta contra o racismo ainda não é uma prioridade para os governos de todos os países, por isso não liberam todos os recursos necessários porque os Estados, incluindo o brasileiro, acham que a questão do combate ao racismo é importante, mas não prioritário. Tomam-se decisões para adotar políticas públicas de combate à discriminação, mas não incorporam recursos necessários. Isso nos obriga [movimentos da sociedade civil] a falar e repetir sempre da questão racial para que os avanços políticos tenham conseqüência em recursos econômicos. Acredito que ainda há muita pressão dos grupos conservadores para que os Governos não liberem recursos para projetos de igualdade racial, porque os conservadores têm cotas de poder importante em vários países, incluindo o Brasil.

E enquanto isso, o que a população deve fazer para ajudar a implementar esses projetos?
Primeiro se organizar, segundo, pressionar os Governos local e federal, terceiro, fazer uma aliança entre os diversos atores sociais para que se tenha mais força e a pressão seja maior e quarto utilizar o voto como instrumento de mudança. A possibilidade de votar permite ao povo avaliar as posições políticas dos partidos, também é necessário que se tenha uma interlocução com as instituições internacionais, para que estas pressionem o governo e, por último, devem se fazer alianças entre movimentos sociais internacionais para utilizar a globalização como forma de combate ao racismo.

24 Julho 2006

Governos ainda não têm promoção da igualdade racial como compromisso



Para Sergia Galván, do Coletivo Mulher e Saúde da República Dominicana e membro da Rede de Mulheres Afrolatinoamericanas e Caribenhas, os governos têm avançado pouco na implantação de políticas de promoção da igualdade de gênero e raça nas Américas.


Quais foram os principais avanços nos últimos anos no que diz respeito a promoção da igualdade de gênero e raça nas Américas?
Sergia Galván – Existem avanços, mas eles caminham lentamente. Foram criados mecanismos de promoção da igualdade racial, a questão está posta na agenda pública, há um crescente processo de articulação dos movimentos sociais em torno da agenda de Durban e o fortalecimento das mulheres negras no debate. Mas quase não existem avanços nos níveis governamentais. Não há um compromisso real em transformar o Plano de Ação de Durban em políticas públicas.


Então o grande desafio é colocar o combate ao racismo nas agendas dos países?
Sergia Galván – Sim. O grande desafio é comprometer a Organização das Nações Unidas e seus Estados membros e construir uma Convenção Interamericana de Combate ao Racismo. Para além disso, é preciso também avaliar e acompanhar as ações em curso.


Quais são suas expectativas em relação a participação das mulheres na Conferência Regional das América?
Sergia Galván - Eu espero que possamos, hoje neste encontro (Diálogo entre as Mulheres das Américas contra o Racismo e todas as formas de Discriminação) fixar uma agenda comum para as mulheres negras, indígenas e brancas. Unir as forças do movimento feminista, de mulheres indígenas e de mulheres negras, para que no espaço da conferência possamos fazer-nos presentes, negociar e construir pautas para um diálogo futuro.

Indígenas reivindicam Secretaria Especial no governo brasileiro


Indígenas, afrodescendentes, migrantes, jovens, mulheres, GLTT, ciganos(as) e representantes de organizações da sociedade civil participantes da Conferência Regional das Américas estiveram reunidos durante esta tarde para apresentar seus documentos de reflexão e proposições sobre o temário do evento.

Os(as) indígenas apresentaram um diagnóstico de seus povos após as resoluções apontadas no plano de ação de Durban e os avanços de suas ações associadas aos trabalhos de promoção da igualdade racial na região. O ponto alto da apresentação, por parte dos(as) indígenas brasileiros(as), foi a reivindicação da criação de uma secretária especial dos povos indígenas.

?Os(as) indígenas possuem necessidades, realidades e demandas que necessitam uma maior atenção do governo. Os povos indígenas reivindicam nesta Conferência a criação de uma secretaria específica para tratar dos assuntos de nossos povos?, cometa a representante brasileira dos(as) indígenas.

Alejandro Rogas, representante dos Migrantes, enfatizou a importância da implementação dos resultados e conclusões desta Conferência. Segundo ele, os(as) migrantes estão expostos a uma realidade de discriminação e intolerância muito grande, ?O relatório da ONU afirma que 191 milhões de pessoas migrantes vivem hoje no mundo, sendo que 25 milhões são refugiados. Este dado está sob avaliação diante do quadro que os(as) migrante não tem visibilidade diante do estado, devido a sua situação irregular, logo concluísse que estes números são muito maiores?, explica ele.

O povo cigano, uma raça marginalizada e de pouca participação e atuação nos processos políticos apresentou algumas inquietações sobre a pouca visibilização de sua história, suas origens e sua cultura.
De acordo com Cláudio Jobanut, representes dos(as) ciganos(as) na plenária, hoje no Brasil existem cerca de 600 mil ciganos(as), ?Chegamos neste país em 1547, juntamente com os(as) negros(as) e índios(as), fizemos parte desta história de construção de nação juntamente com estes povos, logo sofremos as mesmas problemáticas referentes a exclusão e discriminação que estas outras raças?, enfatiza ele.



http://www.noticiascontraracismoentrevistas.blogspot.com/

(Notícias Contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas

A agência de notícias foi desenhada especialmente para acompanhar a Conferência Regional das Américas (Brasília, 26, 27 e 28 de julho de 2006) e é resultado de uma ação conjunta da Fundação Friedrich Ebert e do Programa de Combate ao Racismo Institucional. Nela serão publicadas matérias que poderão ser utilizadas pelos movimentos sociais e pela mídia como fonte de informação.)

Wednesday, July 26, 2006

Pena de ouro da Abolicao custou 500 mil reais!!!!


Casal de Pretos velhos da Umbanda


Hoje li na imprensa, precisamente na matéria principal
do Segundo Caderno do jornal O Globo, que a pena
de ouro que a princesa Isabel usou na assinatura da Lei
Áurea foi vendida pela suposta bagatela
de R$ 500 mil ao Museu Imperial do Rio de Janeiro.
Em agosto, provavelmente, com a presença do
ministro Gilberto Gil, será realizada a cerimônia oficial
da integração do objeto ao acervo do museu.

A relíquia, de ouro 18 quilates com 27 diamantes e 22 cm de
comprimento, estava em posse dos descendentes da família imperial.

O negócio inicia as comemorações dos 160 anos de nascimento
da tal princesa, ocorrido a 20 de julho de 1846.

Enquanto isso descendentes de antigos/as escravos/as e quilombolas
travam uma batalha pública em todo o Brasil com o que há de mais
reacionário da elite intlectual brasileira e mídias por sistemas
de cotas educacionais nas universidades e pelo reconhecimento
mais do que evidente de seus direitos políticos,
sociais, economicos, culturais, humanos e civis.

E quando, só para finalizar, vão começar as negociações das reparações
históricas da população negra brasileira, que ficou a ver navios com
a penada da "Abolição" da tal princesa Isabel em 13 de maio de 1888 ?

Cartas para a redação!!!

Ras Adauto Berlin
26.07.2006

Pai João do Arranca-toco

"Pai João do Arranca-toco
lá no Terreiro de Vovó Cambinda
Quando baixava na nossa banda
vinha de banda e cantava maroto:

"A princesa Isabé
não gostava de mé
nem andava a pé,
só de cabriolé
coitada dessa Isabé..."

E tome atabaques
E tome malungo
E tome muvuca
E tome Macumba..."

(Adorei as Almas!)

Ras Adauto

Livro retrata a trajetória de luta de 10 mulheres negras


LANÇAMENTO

Por Jony Torres

Uma centena de histórias de lutas, vitórias e desafios pessoais são contadas através de cem perfis de mulheres negras que se destacaram em suas atividades profissionais. O livro Mulheres do vento mulheres do tempo, organizado pela microempresária Mônica Kalile e escrito pelas jornalistas Lidia Silva e Ana Maria Vieira, com ajuda do professor de história Angelo Pinto, foi lançado ontem à noite, na Câmara de Vereadores de Salvador. A publicação tem patrocínio da Fundação Cultural Palmares, apoio da Secretária Municipal da Reparação e produção da Fundação Gregório de Mattos.

O livro, produzido e escrito em apenas um mês, tem 206 páginas com textos enxutos e objetivos, no quais são narradas as trajetórias de vida de cem mulheres negras escolhidas pelo sucesso profissional, independente da área de atividade, condição religiosa ou militância política e social. O curto prazo foi a única maneira de conseguir lançar a obra no Dia Internacional da Luta da Mulher Negra da América Latina e do Caribe. "Colocar tantas realizações e conquistas em apenas duas páginas foi um desafio pois são relatos muito ricos", revelou a jornalista Ana Maria.

Entre muitas mulheres, estão as cantoras Wil Carvalho e Margareth Menezes, a percussionista Mônica Millet, a comerciante Maria das Graças da Silva Osvaldo, conhecida como Gal do Beco, a religiosa mãe Hilda Jitolu e a vendedora de Acarajé, Aidil dos Santos, a Dica do Acarajé. A médica Alda Veloso, órfã desde os primeiros anos da adolescência, foi criada pela irmã mais velha, e, aos 40 anos de idade, se formou em medicina. Atualmente é diretora do 3º Centro de Saúde, na Liberdade, bairro onde nasceu e cresceu e hoje realiza ações de cunho social. "Hoje tenho muito orgulho em trabalhar no centro, pois naquela época era como se fosse o Hospital Aliança, para nós do bairro, e hoje posso dar minha contribuição ao meu povo", revelou a médica, homenageada na noite de lançamento.

A idéia de escrever o livro surgiu quando o grupo artístico e cultural, A Mulherada, presidido por Mônica Kalile, participou do há dois anos do 14º Encontro Feminista Latino-americano e do Caribe, realizado ano passado em São Paulo. Para Mônica, colocar em evidência o trabaho realizado por estas mulheres é a principal intenção do projeto, pois a luta da mulher negra é mais árdua. "Muitas são conhecidas, mas existem outras nas ruas, nos escritórios e em salas de aula, lutando, vencendo sem que as pessoas saibam a importância das realizações destas heroínas sem sempre reconhecidas", justificou Kalile.

www.correiodabahia.com.br, 26.07.2006

Tuesday, July 25, 2006

Professor da UnB é acusado de racismo por alunos de pós-graduação

Professor da UnB é acusado de racismo por alunos de pós-graduação

Érica Montenegro
Do Correio Braziliense

12/07/2006

07h36
-“Não adianta dar dinheiro para essa crioulada.” A frase — pronunciada por Paulo Kramer, 49 anos, professor-adjunto do Instituto de Ciência Política, da Universidade de Brasília (UnB) — levou um grupo de alunos a formalizar queixa contra o professor na reitoria. É a primeira vez que isso ocorre nos 44 anos da UnB. Relatada pelos estudantes em carta entregue ao reitor Timothy Mulholland, e confirmada pelo próprio Kramer, a frase foi dita na manhã de 24 de abril, uma segunda-feira, durante a aula de Teoria Política Moderna (TPM), do programa de pós-graduação em ciência política.

Kramer explicava políticas assistenciais implementadas nos Estados Unidos, na década de 60, para a população negra, quando emitiu a opinião. “Estava dizendo que, antes de se macaquear uma política pública de outro país, é necessário saber quais os efeitos que ela trouxe para os supostamente beneficiados”, afirma. “Crioulada” foi o termo mais próximo que o professor diz ter encontrado para traduzir “black under class” — expressão pela qual os negros muito pobres são descritos por parte dos sociólogos nos EUA.

Mas o termo atingiu, em particular, o aluno Gustavo Amora, 24 anos, que tem a pele morena e se reconhece como negro. Gustavo, que foi aluno de Kramer também na graduação, decidiu enviar um e-mail queixando-se ao professor. No texto dizia: “Todos nós conhecemos o seu jeito brincalhão, algo que na maioria das vezes nos diverte dentro de sala. Mas acredito que haja limites para esta interação (…), a linguagem é uma dialética frágil e os dois pólos devem se respeitar para que não se perca esta dinâmica.” Kramer desculpou-se amistosamente, e o assunto prometia encerrar-se ali.

Mas, na aula seguinte, o professor fez uma explanação sobre a “onda politicamente correta”, que irritou Gustavo e alguns mestrandos da turma. “Ele desrespeitou nossas posições e julgamos por bem levar o caso ao conhecimento da direção do instituto”, afirma o estudante Carlos Augusto Machado, 24. Kramer avalia que, em sua condição de professor, chamava a turma à reflexão. “Eu sinceramente tenho medo que essa avaliação sobre o que é preconceito ou o que não é acabe prejudicando a liberdade de expressão, direito individual dos mais importantes”, comenta Kramer, que leciona na UnB há 19 anos.

A questão ganhou corpo nos corredores do Instituto de Ciências Política e acirrou o clima entre alunos e professor. Em carta enviada à Comissão de Pós-Graduação no mês passado, sete estudantes dos cerca de 20 que fazem parte da turma de TPM pediram o afastamento de Kramer ou a abertura de uma nova turma.

Tensão
O confronto atingiu o clímax na aula da semana passada: o professor chamou Gustavo Amora de “racista negro” e de “Ku-Klux-Klan negra”. Criada em 1865 e até hoje em ação, a Ku-Klux-Klan chegou a queimar negros vivos nos EUA. “O professor estava completamente descontrolado e, como a direção do departamento não havia nos dado respostas satisfatórias, decidimos recorrer à reitoria”, completa a também aluna Danusa Marques, 23.

Paulo Kramer não nega a acusação, mas considera que o grupo de alunos havia passado dos limites. “Eles criaram uma espécie de motim, sem sequer ter o respaldo da turma inteira. Então, eu abri a questão para todos”, conclui.

Depois de receber os estudantes na última segunda-feira, o reitor Timothy Mulholland encaminhou o caso ao departamento jurídico da UnB, que decidirá como resolver a questão. Se houver um inquérito administrativo e o professor for considerado culpado, pode receber punições que vão da advertência verbal à expulsão do cargo. “É um assunto muito sério, precisa ser avaliado com o máximo de cuidado”, resigna-se o reitor. Não há prazo para o departamento jurídico se pronunciar.

Racismo: professor decide processar alunos

Racismo: professor decide processar alunos

Érica Montenegro
Do Correio Braziliense

13/07/2006

07h41
-O que até o início da semana era apenas um boato de desentendimento entre professor e alunos, nos corredores da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade de Brasília (UnB), promete virar um caso a ser decidido nas cortes de Justiça. Revoltado com as acusações de racismo feitas por um grupo de mestrandos de ciência política, o professor Paulo Kramer promete pedir, judicialmente, reparação no valor de R$ 3 milhões pelos danos causados a sua imagem. Por sua vez, Gustavo Amora, líder do grupo de alunos que formalizou a denuncia contra Kramer à reitoria da UnB, pretende responder ao ato processando o professor por crime de racismo.

Na tarde desta quarta-feira, por telefone, Kramer afirmou que seu advogado já trabalha na preparação de uma ação penal e outra civil contra os alunos e que o valor da indenização pretendida seria de R$ 3 milhões. Professor-adjunto da UnB há 19 anos e consultor político no Congresso Nacional, ele considera que a exposição do caso na mídia e na UnB prejudicou sua imagem pública.

Kramer não recuou das afirmações feitas em entrevista ao Correio e publicadas na edição de ontem, mas argumentou que não falaria mais sobre o assunto, atendendo a recomendações do advogado. Na entrevista, ele admitiu que costuma usar em suas aulas a palavra “crioulada” para se referir à população negra.

Gustavo Amora soube da intenção de Kramer por meio de jornalistas e criticou o professor: “Tentávamos resolver a coisa no plano administrativo. Se ele me processar, eu o processo por racismo”, afirmou o estudante, que também trabalha no Congresso Nacional. Em uma das últimas aulas que Gustavo assistiu, Kramer o chamou de “racista negro” e “Ku-Klux-Klan negra”. “Isso é racismo claro e foi ofensa pessoal dirigida a mim”, considerou.

O conflito entre o professor e o grupo de seis mestrandos em ciência política começou ainda na primeira aula da disciplina Teoria Política Moderna, em 24 de abril. Ao explicar uma política compensatória destinada, na década de 60, à população negra dos Estados Unidos, Kramer afirmou: “Não adianta dar dinheiro para essa crioulada.” A expressão incomodou Gustavo Amora, que tem a pele morena e se reconhece como negro. Na graduação, o aluno trabalhou pela aprovação do sistema de cotas para afrodescendentes na UnB. “Sou sensível a estas questões. Eu sei o que racismo, já sofri com isso”, afirma.

Denúncia formal
Gustavo e mais cinco mestrandos de ciência política formalizaram denúncia contra Kramer à reitoria da UnB. O reitor Timothy Mulholland prometeu encaminhar o caso para que os advogados da instituição decidissem quais os procedimentos adequados. A disputa entre o professor e o grupo de alunos ligados a Gustavo era ontem o principal assunto nas rodinhas de conversa do Instituto de Ciência Política. As opiniões se dividiam entre os que concordavam com os estudantes e os que defendiam o professor. Todos, contudo, afirmaram que uma das principais características de Kramer é a virulência das palavras e a defesa firme de seus pontos de vista.

Na entrevista concedida ao Correio, o próprio Kramer reconheceu isso: “Eu sei que incomodo, porque não tenho medo do confronto, porque não pertenço à esquerda ingênua”. Segundo ele, o grupo estaria promovendo uma espécie de patrulha ideológica por não concordar com sua postura política e intelectual. “Foi ofensivo, me senti incomodado, mas continuo respeitando a postura ideológica do professor”, responde Gustavo Amora.

Assunto interno
A diretora do Instituto de Ciência Política (Ipol), Lúcia Avelar, acredita que os estudantes radicalizaram ao levar o debate para fora da UnB. “A questão estava sendo tratada como prioridade aqui dentro, estávamos encaminhando soluções, mas eles foram irredutíveis”, afirma. Segundo ela, Paulo Kramer pode ser veemente no discurso, mas não é racista. “É um professor respeitado, tem quase 20 anos de história aqui dentro. Não merece sofrer uma acusação tão séria assim”, considera.

Coordenador da pós-graduação em ciência política, o professor Antônio Brussi lamentou ver um professor do mestrado envolvido em uma polêmica que chegou às páginas dos jornais: “Todos aqui têm uma trajetória de respeito à democracia e às liberdades democráticas, espero que isso seja respeitado pela imprensa”.

Os professores do Instituto se reúnem amanhã e segunda-feira para discutir como será a avaliação dos alunos que se opõem a Kramer. Para evitar novos confrontos, Lúcia Avelar proporá que o grupo faça uma prova escrita a ser corrigida por outros professores.

Vários significados
As definições da palavra “crioulo” ocupam 47 linhas nas páginas 870 e 871 do Dicionário Antônio Houaiss. A primeira delas dá ao termo o significado de “cria” ou “escravo”. As outras definições são qualificativos para pessoas, de acordo com o lugar de nascimento. Algumas fazem menção à raça, outras não. De acordo com o Houaiss, a palavra pode ser usada para qualquer descendente de europeu que nasceu em países americanos, bem como para quem nasceu escravo no então no Novo Continente.

Em entrevista ao Correio, o professor Paulo Kramer afirmou que usou “crioulada” para traduzir a forma como os sociólogos norte-americanos classificam “black under class” — algo como “negros de baixa classe”. Segundo Kramer, este grupo só seria menos pobre do que os imigrantes ilegais que moram nos Estados Unidos. “Eles são pobres e sem estudo, só estão acima dos imigrantes”, explicou.

Diretora do Instituto de Ciência Política, Lúcia Avelar diz que não usaria a palavra para se referir à população negra e pobre, mas que a expressão pode não estar carregada de preconceito. “Eu não usaria, mas a palavra não é proibida. O escritor Machado de Assis a usava”. Para a professora, atos de preconceito podem ser expressos por palavras e por comportamentos. Presidente do Grupo Cultural Olodum, da Bahia, João Jorge dos Santos Rodrigues acompanha a polêmica via internet. “Não tenho dúvidas de que a declaração do professor foi racista, todo mundo sabe que ‘crioulada’ é um termo pejorativo. Ele deveria ter usado população negra, afrodescendente ou população afro-americana”.

Monday, July 24, 2006

Negros de gabarito

Negros de gabarito
Afrodescendentes popularizam invenção da elite branca e viram estrelas do futebol

O Combinado Henrique Dias era formado apenas por jogadores negros, tendo Popó como destaque

Foi notícia em 1931: "Embate entre negros do mais alto gabarito. O popular Popó, centromédio da seleção baiana, enfrenta o inigualável Fausto, a maravilha negra, eficiente armador do conjuncto do Vasco da Gama do Rio de Janeiro... Não há razão para perder importante pugna no Campo da Graça..."

Menos de duas décadas antes, o destacado encontro seria inimaginável. A Liga Bahiana de Desportos Terrestres não tolerava jogadores negros entre os seus filiados no início do século XX. Não se tratava de decreto oficial, mas virou regra dentro dos próprios clubes. Extinta somente em 1912, a Liga dos Brancos, como ficou batizada, refletia a segregação racial imposta pelo recém-chegado esporte bretão. A própria escravidão acabara de ser revogada, em 1888. Futebol era invenção da elite branca, trazido em 1901 por José Ferreira Filho, o Zuza, filho de ingleses. Praticado por famílias tradicionais e de recursos.

Bastou que a bola caísse nos pés de certo capoeirista do Rio Vermelho. O futebol de Popó fugia da severidade e rigidez inglesa. Gozava de ginga típica da capoeiragem. "Imagino que seu estilo era bem diferente do futebol medíocre que havia chegado da Europa", sugere o antropólogo e escritor Antônio Risério, que coloca Popó como um dos marcos do futebol brasileiro, símbolo do processo de apropriação popular do esporte. No livro Uma historia da Cidade da Bahia, Risério compara o craque do Ypiranga a Artur Friedenreich (El Tigre) e aos fenômenos do Bangu e do Vasco, no Rio de Janeiro.

Apesar do nome, Friedenreich era mulato de olhos verdes, descendente de mãe alemã, e foi o primeiro ídolo do futebol nacional. Em clubes paulistas, marcou incalculável quantidade de gols. Dizem que mais do que Pelé. "A popularidade de Friedenreich se devia mais pelo fato de ser mulato. O que abriu caminho para a democratização do nosso futebol", transcreve Risério, ao citar a publicação O negro no futebol brasileiro, de Mario Filho. O autor sugere que o fenômeno se deu "involuntariamente", já que El Tigre "queria ser branco". Semelhante ao também mulato Carlos Alberto, atacante do Fluminense, que utilizava pó-de-arroz para embranquecer a pele e não destoar do restante da equipe, formada por jogadores brancos, ricos e educados. Mais tarde o time passaria a ser chamado de Pó-de-Arroz.

***

Time de empresários

O Bangu era time de empresários, proprietários de uma fábrica carioca. Pouco a pouco os operários mestiços foram tomando o lugar dos mestres, engenheiros e técnicos ingleses. A equipe havia mudado de cor. O exemplo do Vasco é considerado a "queda da bastilha", conforme o livro Futebol arte: a cultura e o jeito brasileiro de jogar. Comerciantes cariocas selecionaram pretos e mulatos pela intimidade que eles tinham com a bola, e não pelos sobrenomes anglo-saxões. "As marcas registradas daqueles `pé-rapados´ era a habilidade e o improviso", reforça o livro. O time ganhou o campeonato da primeira divisão do Rio de Janeiro, ainda em 1923.

Da mesma forma Popó teria contribuído para a recriação do futebol, com a inteligência corporal específica de sua formação etnocultural. "Mestiçagem, capoeira, samba, malandragem. É daí que surge, entre tantas outras coisas, a matada suave da bola no peito, a deixada malandra, o gosto insuperável pelo quase samba no pé na hora do drible", diz o antropólogo. Uma revolução se operava no futebol brasileiro. Não se ganhava campeonatos só com times de brancos. Um time de brancos, mulatos e pretos era o campeão da cidade. Desaparecia a vantagem de ser de boa família.

Na Bahia, o Ypiranga era caso exemplar de democracia racial. Mas as coisas não mudaram de vez. Para jogar em clubes como o Bahiano de Tênis e a Associação Atlética era preciso passar por um crivo. "Preto não entrava no Bahiano nem pela porta da cozinha", lembra a música de Gilberto Gil. Seguia-se um fenômeno nacional. Alguns clubes no Rio e em São Paulo preferiram fechar as portas a aceitar negros nos seus plantéis.

Popó quebrou barreiras. Foi o primeiro negro a ser contratado pelo Bahiano. Mesmo assim não conseguiu atuar nem no Bahia, nem no Vitória, como reporta o ex-ponta esquerda Rubem, um dos jogadores da primeira formação tricolor, em 1931. Em depoimento ao jornalista Bob Fernandes, no livro Bora Bahêeea! A história do Bahia contada por quem a viveu, Rubem revela porque Popó não atuou nem no Bahia nem no Vitória, mesmo sendo a estrela do futebol baiano à época.

"Bob: Quem era Popó?

Rubem: Era um jogador de futebol que jogava com os pés e você tinha a impressão que jogava com as mãos. Capoeirista. Foi o primeiro preto que jogou no Bahiano de Tênis. Era doido pra jogar no Bahia.

Bob: E não tinha lugar pra ele no Bahia e no Vitória?

Rubem: Lugar tinha. Em qualquer lugar tinha lugar pra Popó. Não queriam era Popó...

Bob: Por que não?

Rubem: Simples: porque era preto.

Bob: O Bahia não tinha jogadores negros?

Rubem: Preto, preto, não tinha nenhum".

Resquícios de esporte originalmente aristocrático. Mais tarde se transformaria, inevitavelmente, em fenômeno popular. "As ligas proletárias queriam a todo custo entrar no futebol. Nessa época foi criada a Liga Brasileira de Esportes Terrestres, em substitição à Liga dos Brancos", conta o pesquisador e historiador esportivo Mário José de Souza Gomes. O futebol passou a dividir espaço com o turfe e com o remo. Antes restrito ao Campo da Pólvora, onde primeiro jogavam os ingleses, passou a ser praticado também no Rio Vermelho. Ali as partidas aconteciam no hipódromo, no "derby" ou "prado" do Rio Vermelho. Logo depois surgiu o Campo da Graça. "Não fazia sentido realizar partidas em local reservado para cavalos", explica o pesquisador.

Ali se disputavam os jogos oficiais. Enquanto isso, babas e mais babas se espalhavam pela antiga capital. De um deles saiu Popó. O jogo era simples. O único objeto indispensável era a bola. Na falta do couro, poderia ser feita de pano, bucho de animal, meia ou de papel enrolado com barbante. Até o linguajar futebolístico de terminologias inglesas começou a perder espaço. "Partida era match; juiz, referee; atacante, forward. Aos poucos esses termos se abrasileirariam para depois surgirem expessões locais, como banheira, bicuda, banho de cuia, nó. Que a elite ficasse com os seus teams", ironiza Antônio Risério.

***

Nova dimensão racial

A malha negra e mestiça no esporte bretão influenciaria um time inteiro. Tendo Popó como destaque, o Combinado Henrique Dias, formado apenas por jogadores pretos, revelava a nova dimensão racial do futebol. Criado pelo desportista Beijamim Bompet, em 1921, o nome do combinado homenageava o herói da guerra holandesa, igualmente negro. O time chegou a vencer o campeão carioca Vila Isabel, no 1º aniversário do Campo da Graça, e despertou a admiração dos brancos. O próprio Popó, vestido em trajes de gala para a disputa do Campeonato Brasileiro de 1922, teve tratamento digno de autoridade. Antes de embarcar no navio Almazorra, foi batizado de "O Inglês da Embaixada" pela elegância que exibia. "Figura mais popular e eficiente do futebol baiano", anunciava a revista Semana Sportiva.

Faltava a convocação para a Seleção Brasileira. Mas um incidente gerado por discriminação racial, em Buenos Aires, teria impossibilitado a inclusão de Popó no "Scratch Nacional" que disputaria o Campeonato Sul-Americano na Argentina. O então presidente da República Epitácio Pessoa não recomendou a convocação de negros. Em grande fase na carreira, Popó não viu problema. Havia cumprido o seu maior papel. Agora o futebol era do povo.


Reporter, Correio da Bahia, 24.07.2006 - www.correiodabahia.com.br

Sunday, July 23, 2006

65% apóiam cotas raciais na faculdade

Menos de metade dos entrevistados pelo Datafolha conhece a proposta, e apenas 9% declararam estar bem informados

Pesquisa indica que rejeição à reserva de vagas para os negros em universidades é maior entre os mais ricos e os mais escolarizados

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

A maioria dos brasileiros é a favor da adoção das cotas para afrodescendentes nas universidades, mas a aprovação diminui à medida que aumenta a renda familiar e a escolaridade do entrevistado, aponta pesquisa Datafolha feita com 6.264 pessoas acima de 16 anos.
Desse total, 65% são favoráveis à reserva de um quinto das vagas nas universidades públicas e privadas para negros e descendentes, como prevê um dos pontos do Estatuto da Igualdade Racial, que tramita no Congresso. A votação deve acontecer no próximo ano.
Ao mesmo tempo em que aprovam as cotas para negros, 87% dos entrevistados também concordam que deveriam ser criadas reservas de vagas nas universidades para pessoas pobres e de baixa renda, independentemente da raça.
Negros e pardos representam hoje 48% da população brasileira, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios) 2004.
O levantamento mostra também que o assunto precisa ser mais bem discutido. O estatuto é conhecido por 46% dos entrevistados, porém apenas 9% se dizem bem informados sobre ele. Também nesse ponto o conhecimento aumenta conforme cresce a renda familiar e a escolaridade do entrevistado.
A maior taxa de aprovação das cotas raciais ocorre entre as pessoas com escolaridade fundamental (71%). Já entre os entrevistados com nível superior acontece uma inversão: 55% são contra as cotas raciais.
O mesmo acontece entre as pessoas com renda familiar acima de dez salários mínimos -que representam 2% da população brasileira, segundo a Pnad. Apenas 39% são favoráveis às cotas, contra 57% dos que não concordam com elas.
Nessa faixa salarial, a rejeição é alta tanto entre aqueles que se autodeclaram brancos (64%) quanto para os negros (54%). O índice cai para 47% entre os pardos.
Já entre os que ganham até dois salários mínimos, o índice de aprovação é de 70%.
Para Roberto Romano, filósofo e professor titular de ética e filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), os resultados podem ser interpretados sob dois pontos de vista.
"O moralista diria que quanto mais privilegiada uma pessoa, mais ela quer ser. Eu prefiro acreditar que os mais escolarizados sabem que não existem soluções mágicas, conhecem as dificuldades do ensino e da pesquisa dentro da universidade e têm consciência da atitude administrativa que se deve ter."
Já o professor de antropologia da UnB (Universidade de Brasília), José Jorge Carvalho, entende que os resultados da pesquisa indicam que "a elite não quer perder o poder". "Vagas nas universidades públicas boas são cotas de poder. E a elite não quer concorrentes negros", diz Carvalho, que foi um dos idealizadores do programa de cotas para negros da UnB.
A cor declarada pelo entrevistado não representa diferença estatística significativa sobre a aprovação das cotas. Entre os negros, 69% são a favor e, entre os brancos, 62%. "Isso mostra que no Brasil o problema da desigualdade não está colocado em termos de raciais e sim de gente pobre", avalia o cientista político Bolívar Lamounier.
O sociólogo Edward Telles, professor do departamento de sociologia da UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles), pensa que esse dado merece mais pesquisa. "Já o encontrei em minhas pesquisas também, mas não sei bem dizer por que", diz ele.
A pesquisa Datafolha foi realizada nos dias 17 e 18 de julho em 272 municípios. A margem de erro máxima é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

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Lei prevê cota para atores na televisão

DA REPORTAGEM LOCAL

Discutido desde 1998, o estatuto tem pontos polêmicos, como o que obriga a população a autodeclarar sua cor/raça na hora de tirar documentos e o que determina a presença de ao menos 20% de atores e figurantes afrobrasileiros em programas e propagandas de TV.
Um dos pontos de maior discussão, no entanto, que previa a reserva de 20% de vagas para afrodescendentes em cargos do serviço público, foi retirado da proposta original, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS). A previsão é que o estatuto só seja votado no próximo ano.
Na Câmara, vários deputados têm se mostrado favoráveis a um sistema de cotas social, ou seja, seguindo um critério de pobreza e não racial, como prevê o estatuto. Essa seria também a opinião do presidente Lula. Em razão disso, o próprio Paim já declarou que pode alterar o projeto. (CC)

Acadêmicos divergem sobre resultados

DA REPORTAGEM LOCAL

Da mesma forma que polarizaram opiniões pró e contra as cotas raciais, os acadêmicos também têm diferentes interpretações para os resultados encontrados na pesquisa Datafolha.
Para os que defendem as cotas raciais, como o cientista político Sérgio Abranches, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a rejeição maior a elas entre os mais escolarizados e de maior renda ocorre porque a classe média se sente ameaçada.
"Os filhos da classe média estudam nas universidades públicas de boa qualidade de graça. À medida que um programa de ação afirmativa equaliza as chances de ingresso daqueles que não podem pagar os cursos de preparação mais caros, as posições de monopólio da classe média ficam ameaçadas. É previsível a resistência."
Já o cientista político Bolívar Lamounier, que assinou o manifesto contra as cotas raciais, entende que as pessoas mais escolarizadas conseguem avaliar melhor questões que exigem "uma reflexão conceitual" e sabem que a adoção de cotas pode trazer implicações graves para o futuro do país.
"Para estabelecer um sistema como esse, é preciso fazer um censo de raças, que é um passo para o racismo", afirma Lamounier.
Na avaliação de Fernanda Carvalho, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais, deve aumentar a aprovação da classe média às cotas raciais à medida que haja mais informações sobre o assunto. "Nos outros países, quando as pessoas viram o funcionamento e os resultados dos sistemas de cotas, a rejeição caiu."
O fato de os entrevistados também serem simpáticos à idéia das cotas sociais, independentemente da cor, também gera explicações divergentes. "No Brasil, é mais consistente a idéia de que a classe social é mais importante que a raça para definir desvantagem", avalia o sociólogo Edward Telles, favorável às cotas.
Já Sérgio Abranches diz que as cotas sociais têm mais apoio porque há uma noção deturpada no país. "É mais confortável achar que existem tantos pobres brancos quanto negros do que pensar que a maioria dos pobres é negra. A cota social quebra o galho e deixa a pessoa se sentir confortável." (CC)

"Cota é a única forma de se fazer justiça para os pobres", diz aluno carente

DA REPORTAGEM LOCAL

Desempregado há sete meses e sem dinheiro para o ônibus, Aloisio Silva, 24, anda todos dias 5 km para chegar ao cursinho gratuito do MSU (Movimento dos Sem Universidade), em Santo Amaro (zona sul).
Filho de um pedreiro, também desempregado, e de uma dona-de-casa, ele quer prestar ciências sociais na USP e na Unicamp no final do ano e se tornar o primeiro universitário da família.
Bisneto de escrava, Aloisio defende que as universidades reservem 50% das vagas para alunos de escola pública e, dentro desse percentual, destinem uma parcela para negros. "É a única forma de se fazer justiça com os pobres e negros."

Contra
Apesar de ter ingressado em medicina na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) pelas cotas raciais, o estudante Luiz Guilheme Werneck, 22, é contra a reserva de vagas.
Ele defende as cotas para alunos de escola pública que comprovem a capacidade para acompanhar o curso escolhido. "Senão, a qualidade de ensino vai cair."
Werneck cursou o ensino médio e o fundamental em escolas públicas de Santa Isabel (Grande SP) e, quando se decidiu por medicina, fez três anos de cursinho no Etapa, em São Paulo. "Estava preparado para entrar [na faculdade] com ou sem cotas", afirma.
Werneck diz que nunca se sentiu discriminado na Unifesp por ter ingressado por meio de cotas raciais. "Tinha receio antes de entrar. Lá dentro, todo mundo se iguala. Não há o grupinho daqueles que entraram por cotas", conta o estudante.
(CC)

ANÁLISE

Necessidade de informação

MAURO PAULINO
DIRETOR-GERAL DO DATAFOLHA

Até aqui apenas um em cada dez brasileiros considera-se bem informado sobre o projeto de Estatuto de Igualdade Racial em tramitação no Congresso. Trata-se de uma informação relevante da pesquisa Datafolha e que aponta para a necessidade da ampliação do debate sobre o tema junto à sociedade.
Sempre que investiga questões de interesse público que não sejam de amplo conhecimento da população, o Datafolha colhe o grau de informação auto-atribuído pelos entrevistados sobre o tema e, na pergunta seguinte, faz uma breve explicação para que opinem sobre o assunto. Nesta pesquisa, a pergunta aplicada foi a seguinte: "Um dos pontos do projeto prevê que, no mínimo, 20% das vagas em universidades públicas e particulares sejam reservadas para pessoas negras e descendentes de negros, independentemente das notas obtidas no vestibular em relação aos que não são negros. Você é a favor ou contra as cotas, isto é, que sejam reservadas vagas para negros e descendentes de negros nas universidades?"
A essa primeira pergunta específica, 65% dos eleitores brasileiros respondem de forma favorável, 25% são contrários e 9% são indiferentes ou não sabem opinar. Esses números devem ser analisados como reflexo desse instante em que o grau de informação sobre o assunto é significativamente baixo.
Por isso, para uma análise isenta, é importante destacar também as respostas daqueles que já se consideram bem informados -representados, nesse momento, por apenas 9% dos eleitores. Nesse segmento, a rejeição ao projeto sobe para 40% -15 pontos acima da média. Também entre os que têm nível superior de escolaridade e, conseqüentemente, mais acesso à informação, a taxa dos que são contrários ao projeto sobe para 52%. Mesmo os que se declaram negros e têm nível superior mostram-se divididos ao responder a essa questão.
Em seguida, os pesquisadores apresentaram alguns conceitos para os entrevistados demonstrarem o grau de concordância com cada um. Nota-se aí que a ampla maioria (78%) concorda, mesmo que em parte, que "as vagas nas universidades devem ser ocupadas pelos melhores alunos, independentemente da cor, raça ou condição social", e um número ainda maior (87%) está de acordo que "deveriam ser criadas cotas nas universidades para pessoas pobres e de baixa renda, independentemente da raça".
Essa aparente incoerência com a primeira pergunta indica que os brasileiros desejam uma maior inclusão dos mais pobres, sejam negros ou não, nas universidades, concordam inicialmente com a proposta das cotas, mas valorizam também o mérito do desempenho escolar.
A pesquisa demonstra que a falta de informação é terreno fértil para se trabalhar os conceitos do tema. A maneira como esses conceitos serão comunicados e debatidos, principalmente nos veículos de comunicação, será determinante a partir daqui no posicionamento dos brasileiros sobre a questão. É papel das pesquisas acompanhar e revelar eventuais mudanças nesse cenário.

Estudos apontam bom rendimento de cotistas

Unicamp, UFBA e Uergs adotaram diferentes tipos de ação afirmativa

19% das universidades públicas do país já aplicam algum tipo de benefício aos alunos afrodescendentes ou que sejam de baixa renda

ANTÔNIO GOIS
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO

As políticas de ações afirmativas em discussão no Congresso já podem ser examinadas com base em experiências concretas de várias universidades públicas brasileiras. A Folha selecionou três delas por serem pioneiras ou por já terem feitos estudos que permitiram avaliar os primeiros resultados.
Os caminhos escolhidos pela Unicamp, UFBA (Universidade Federal da Bahia) e Uergs (Universidade Estadual do Rio Grande do Sul) são diferentes. Em comum, está o fato de as análises feitas até o momento terem mostrado que o desempenho dos beneficiados foi semelhante -e em alguns casos até superior- ao dos demais estudantes. As taxas de evasão deles também foram menores.
A Uergs foi a primeira universidade pública a adotar, em 2002, uma reserva de vagas levando em conta apenas o critério socioeconômico, sem considerar a cor do candidato.
A instituição separa metade das suas vagas a alunos carentes e 10% a portadores de deficiência. "Embora não haja dados confiáveis a respeito, toda desigualdade ou preconceito se traduz em diferenças econômicas. Por isso, atendemos a todas as formas de desigualdade", disse o reitor da universidade, Nelson Boeira. Segundo ele, a diferença nas notas foi pequena entre os grupos de alunos.

Preconceito
A UFBA, uma das primeiras federais a adotar cotas, escolheu reservar vagas para alunos da rede pública que fossem, majoritariamente, pretos, pardos ou indígenas. Com isso, pela primeira vez os calouros da rede pública superaram os das particulares na aprovação e o percentual de pretos, pardos e indígenas ficou próximo ao da população do Estado.
Para o pró-reitor de graduação, Maerbal Bittencourt Marinho, o aumento do percentual de negros seria alcançado mesmo sem o corte racial. Apesar disso, ele defende o critério.
"Nas escolas públicas baianas, o percentual de negros é grande. Mas a universidade aceitou estabelecer também o corte racial para mostrar que ela defende que o lugar do negro é também na universidade. Isso ajuda a mudar a visão preconceituosa da sociedade", diz.
Já a Unicamp, por meio de um sistema de concessão de bônus, foi a primeira instituição pública a adotar uma ação afirmativa sem cotas usando a justificativa de que, dessa maneira, seria preservado o princípio do mérito acadêmico.
Houve aumento no número de alunos de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas, ainda que não próximo do percentual da população de São Paulo.
A universidade avaliou o desempenho acadêmico do método. Na maioria dos cursos (31 dos 56), os beneficiados apresentam rendimento melhor do que o dos demais no primeiro semestre. "Os resultados mostram que o programa foi até agora bem-sucedido, mas vamos continuar acompanhando os resultados para ter mais confiança no caminho escolhido ou aperfeiçoando o sistema", diz o reitor José Tadeu Jorge.
Essas não são as únicas experiências com ações afirmativas em curso no Brasil. Segundo a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, 30 instituições de ensino superior federais ou estaduais já adotam algum critério. Elas representam 19% total de 162 instituições dessas duas redes.

Estatuto criaria "racismo de Estado", diz antropóloga

Para professora, lei da igualdade racial institucionalizaria o preconceito e não ajudaria em seu combate na sociedade

Intelectual contrária às cotas defende criação de mais vagas e cursos na universidade pública em vez da reserva de cadeiras

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Pouco menos de um mês depois de entregar ao governo um manifesto contra o projeto de Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial, a antropóloga Yvonne Maggie, uma das autoras do texto, comemora. O documento, assinado por 114 intelectuais, acadêmicos e artistas, vem acumulando adesões que já somam 900 pessoas. Em entrevista à Folha, a professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio Janeiro) disse que as cotas e o estatuto desestruturam a idéia de nação ao dividir a população em duas raças. Defendeu ainda que as universidades públicas recebam mais alunos, sem ter de adotar uma política de cotas. Leia a entrevista que concedeu na última quinta-feira.

FOLHA - O que você achou da repercussão que a polêmica dos estatutos causou nas últimas semanas?
YVONNE MAGGIE
- Vejo que houve uma reação interessante. Nossa carta foi assinada por 114 pessoas e agora já temos quase 900 adesões. Constituiu-se um movimento. Antes éramos apenas pesquisadores, intelectuais e artistas isolados e estávamos falando no deserto. Mas, o debate se tornou de toda a nação.

FOLHA - Qual é o problema com a lei de cotas e com o estatuto?
MAGGIE
- A grande crítica que temos não é ao diagnóstico, é à solução. Qual é o apelo das cotas e do Estatuto da Igualdade Racial para a sociedade? É que parece ser uma solução fantástica para acabar com a desigualdade. Mas nós contestamos isso. A grande discussão é como combater o racismo.

FOLHA - As cotas não poderiam ajudar nesse processo?
MAGGIE
- O estatuto e as cotas nos pressionariam a não sermos mais brasileiros. Ao estabelecer a classificação dos brasileiros em duas raças, seremos uma outra nação. Somos a favor de uma legislação que combata o racismo, que tenha o racismo como crime hediondo, comparável ao terrorismo. O que as pessoas que são a favor das cotas nos dizem é que este país já é, na prática, dividido. Bem, mas uma coisa é o racismo na sociedade, outra coisa é o racismo de Estado. É contra esse racismo de Estado que nos colocamos. E a favor da proposta de uma legislação "arracial".

FOLHA - Os que defendem as cotas dizem que os cotistas têm alcançado bons resultados na universidade.
MAGGIE
- Não me espanto com o fato de os cotistas se saírem muito bem. Por que não se sairiam? A questão é que a universidade pública tem de abrir as suas portas, e as cotas são uma forma precária de fazer isso. Só vão criar problemas. É preciso reavaliar o potencial da universidade pública de fazer ensino de massa.

FOLHA - Como seria a reavaliação?
MAGGIE
- Nós temos, nas universidades públicas, um grande potencial de abertura e de ampliação dos cursos. Porque não abrimos mais vagas? Temos professores e temos salas de aula suficientes para termos mais alunos. O problema não é colocar pessoas para dentro da universidade, é fazer elas se formarem. Estabelecer cotas é trocar seis por meia dúzia.

FOLHA - Se o texto do Estatuto for amenizado, você acha que ele poderia ser aplicado?
MAGGIE
- O Estatuto é um problema. A única forma de combater o racismo é criar campanhas nacionais, investir em delegacias de disque-racismo, por exemplo. O estatuto poderia ser da igualdade e não da igualdade racial, pois igualdade racial é uma contradição. Se existem raças, não existe igualdade. A primeira lição é que raça não existe. Identidade étnica só faz sofrimento, é uma invenção.

Críticas a cotas são "cegueira social", afirma ministra

Matilde Ribeiro diz que reação contrária neste debate é natural, mas traz um olhar viciado sobre o tema

Para ela, a alegação de que cotistas teriam dificuldade em acompanhar as aulas ou seriam estigmatizados não condiz à realidade

LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A ministra Matilde Ribeiro (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) reconhece que a miscigenação dificulta a classificação de uma pessoa como afrodescendente, mas diz haver "divisões sociais" no Brasil. Por isso, defende ações afirmativas para reduzir as desigualdades. Militante do movimento negro antes de participar do governo federal, Matilde afirma que o "dilema" entre cotas sociais e raciais está resolvido no projeto de reserva de vagas em universidades. Ela recebeu a Folha na semana passada em seu gabinete.

FOLHA - O Estatuto da Igualdade Racial considera afrobrasileira pessoa que se classifica como tal. Qualquer um poderá se declarar assim para tentar se beneficiar de cotas?
MATILDE RIBEIRO
- No Brasil sempre tivemos a máxima de que não somos racistas e somos mestiços. O movimento negro, desde a abolição, trabalhou para que tivéssemos orgulho de sermos negros em uma sociedade que não nos acolheu. Sabemos que ser negro não é fácil.

FOLHA - Se o quadro muda, não haverá quem queira se beneficiar?
MATILDE
- Não necessariamente. No Brasil, devido à miscigenação, é difícil saber quem é ou não. O consenso do IBGE para perguntar a cor é a autodeclaração. Se isso acontecer [se beneficiar não sendo afrodescendente], vai ser uma minoria.

FOLHA - No Brasil, o que identifica um afrodescendente?
MATILDE
- Os rappers têm uma definição interessante. Dizem: "Os brasileiros podem não saber quem é negro ou branco, mas a polícia sabe". Nossos limites raciais não são visíveis como os da África do Sul durante o apartheid. Mas, temos divisões sociais e cotidianas.

FOLHA - Cotas não são mecanismo de desigualdade?
MATILDE
- A Constituição brasileira é uma das mais avançadas. Está dito que todos somos iguais independentemente de sexo, credo, raça, idade, blá, blá, blá. Mas há uma dinâmica da sociedade que vai além e é excludente. Justamente por ser excludente é preciso ter medidas de governo e de Estado para chegar ao equilíbrio colocado na Constituição. Considero a crítica ao sistema de cotas parte da nossa cegueira social.

FOLHA - As pessoas deixaram de ver esse problema?
MATILDE
- Esse dilema entre cotas sociais e raciais creio que resolvemos na formulação da proposta de projeto de lei de reserva de vagas nas universidades encaminhada à Câmara. Prevê reserva de 50% das vagas das universidades públicas para alunos oriundos de escolas públicas (cota social) combinada com proporção de negros e indígenas nos Estados (cota racial). É a somatória das duas.

FOLHA - Mas não é o desenho que vemos nas cotas previstas no texto do Estatuto da Igualdade Racial.
MATILDE
- O texto que está no Congresso já passou por alterações, e o governo fez contribuições. Mas ainda não chegamos ao final da negociação e dos procedimentos.
Já em relação ao debate com intelectuais e agentes políticos, creio ser natural a reação contrária. O debate é bem-vindo, mas não concordo com o princípio das pessoas que se apresentam contra o projeto. Para complementar o termo cegueira, diria que o olhar dessas pessoas que se apresentam contra é viciado. Cito exemplos. A alegação de que alunos, ao entrarem pelas cotas, teriam dificuldade de permanecer, estariam estigmatizados, nada disso se comprova. As experiências em curso têm mostrado que quem entra pelas cotas tem tendência de superar a média escolar.

Folha de S.Paulo, seção Cotidiano, 23/07/06.

Saturday, July 22, 2006

Só pela entrada de serviço

2/7/2006 -Francisco Foot Hardman - O Estado de São Paulo - Brasil


Elas são meio invisíveis na estrutura social. Mas fazem tudo nos doces lares das classes médias e altas. Faxineiras, amas-de-leite, condutoras de cachorrinhos, babás, lavadeiras, cozinheiras. Quando vivem como agregadas da casa-grande, moram em cubículos indignos de qualquer vigilância sanitária, muitos deles desenhados nos escritórios mais badalados da arquitetura moderna nacional. Os elevadores de serviço selavam de forma clara o apartheid social e racial do destino de nossas domésticas. Leis municipais recentes tentaram coibir a discriminação secular. Mal conseguiram, na maioria dos condomínios elas ainda são constrangidas a se dirigirem à porta dos fundos.

Mas esse é só um símbolo, perto da negação permanente de direitos civis e sociais. Agora mesmo, quando o Congresso aprovou novo pacote de leis trabalhistas favoráveis à categoria, tentou-se questionar a inclusão ou não de sua participação no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). As domésticas representam, nas cidades brasileiras, o papel dos bóias-frias e outros setores de trabalhadores rurais, vivendo nos limites da escravidão ou servidão. Como previu, entre outros, Joaquim Nabuco, em seu lúcido libelo O Abolicionismo (1883), o espectro das senzalas continua a rondar a paisagem humana brasileira, seja na figura do quartinho precário da área de serviço, seja nas vivendas de favelas distantes, nas periferias tão nossas de cada dia.

Numa sociedade que consagrou palavras como resquício ou entulho, a condição das domésticas é outro exemplo contundente de como o modelo vencedor da "dominação cordial" continua a manter desigualdades sociais, raciais e de gênero sob o manto de paternalismo que a tudo que expropria naturaliza, num só movimento. Já o nome "doméstica" denuncia essa operação apaziguadora da hipocrisia que se vende como tolerância familiar niveladora, mas que se pratica como marginalização definitivamente separatista. Nossos muros de fronteiras ideológicas e sociais são mais sutis que o de Berlim, Ariel Sharon, Bush. Não sei se por isso, por sua quase naturalidade ou quase invisibilidade, são certamente muros mais duradouros.

Quando se naturaliza a distância e a diferença, a educação pública de qualidade continua a ser artigo de exceção. Os mesmos congressistas de sempre adiam para as calendas a aprovação do novo Fundeb. Quem freqüenta prioritariamente a escola pública? Os filhos de nossas domésticas. Em São Paulo, nesses dias, o programa SPTV, da Rede Globo, denunciou a prática corriqueira de turnos rápidos na rede estadual de ensino, que abreviam as magras 4 horas de aulas diárias para 3 horas e 20 minutos, infringindo a Lei de Diretrizes e Bases. O "argumento" da Secretaria de Educação é a necessidade de acolher 100% da demanda de alunos. Continua-se a praticar a hipocrisia da estatística de fachada. Isso para não falar das inúmeras classes sem professores, das faltas e substituições crônicas, inclusive nas matérias básicas de Matemática e Português. Mas que importa, afinal? São os filhos de nossas domésticas.

Depois, a universidade. Estou na universidade pública, como estudante e professor, há três décadas e meia. Pois faz muito pouco tempo, digamos cinco anos, que passei a ver, entre meus alunos, rostos de representantes da raça negra e de mestiços afro-brasileiros. Índios nenhum, a política colonial de extermínio foi eficaz em Estados como os do Sudeste e Sul. Essas novas caras surgiram após a criação de curso de graduação e período noturno e, nos dois últimos anos, na Unicamp, com a criação de uma política de ação afirmativa, baseada não em reserva de cotas, mas em pontuação bonificada para alunos provenientes da escola pública e das etnias historicamente excluídas. Introduzo esse tema, pois penso que se cruza de modo visceral com a questão do preconceito renitente em relação às domésticas. E as resistências que desencadeia, entre alguns de nossos melhores colegas da elite branca universitária, revelam que a questão racial merece, sim, tratamento privilegiado em algumas políticas públicas, inclusive no crucial acesso à educação superior, pois a democracia multiétnica entre nós é mais uma ilusão que leitores entusiasmados de Gilberto Freyre adotam, persuadidos antes pelo seu encantamento literário e por seu otimismo classista do que pela real e dura constatação dos fatos de nosso abismo social (e de suas raízes escravistas, raciais e de gênero).

Voltemos ao incômodo lugar das domésticas. A concessão de amplos direitos civis, sociais e trabalhistas a esse enclave não garante por si só sua plena emancipação social. Mas constitui passo fundamental: a "desdomesticação" da doméstica é processo necessário na conquista de sua cidadania.

Somos todos nós, que tivemos ou temos empregadas domésticas, devedores nessa história de enorme uso e abuso. Nossa sociedade formou-se e desenvolveu-se sob a trágica, popular e vampiresca forma de animal sanguessuga. Ocorre-me, a propósito, um belíssimo soneto de Augusto dos Anjos, Recordação da Minha Juventude (ironicamente, o poeta intitulou-o em italiano, no original), em que, revendo os fantasmas do Engenho Pau D'Arco, na velha Paraíba, tece um desagravo a Guilhermina, escrava e sua ama-de-leite, acusada pela mãe e senhora de roubar-lhe moedas de ouro. Pois quem de fato roubava era só ele, o menino da casa-grande, ao subtrair do peito da escrava o leite antes reservado à sua filhinha.

Por menos visível que seja, permanecemos diante do mesmo impasse, da mesma subtração.

*Francisco Foot Hardman é historiador, ensaísta e professor de Teoria e História Literária na Unicamp.

Os mitos raciais

Os mitos raciais

17/7/2006 - Luiz Carlos Bresser Pereira - Folha de S. Paulo - Brasil


DOIS MANIFESTOS dividiram a sociedade brasileira: um contra a definição de cotas para negros e índios nas universidades e a reserva de vagas para minorias no serviço público; outro, a favor. Nos dois manifestos, impressionam a falta de argumentos e a ausência de propostas alternativas dos adversários das duas políticas de ação afirmativa, a não ser a reafirmação da universalidade dos direitos -da igualdade de todos perante a lei.

Esse é um princípio fundamental da nossa Constituição, mas, sendo ela um documento do século 20, não é um princípio vazio de conteúdo social. No século 18, a igualdade de todos perante a lei representava um grande avanço político quando a burguesia liberal lutava contra o Estado absoluto: era a luta de uma classe média em ascensão contra uma aristocracia montada em cima de privilégios legais.

Depois disso, porém, o mundo avançou politicamente. Percebeu-se que não bastava a igualdade perante a lei, era preciso também a igualdade de oportunidades entre as classes sociais e entre as raças.

No Brasil, preocupamo-nos apenas com a igualdade social. Alguns avanços foram alcançados nesse campo, embora o país continue um dos mais desiguais do mundo. No plano racial, porém, fomos incrivelmente displicentes. Apoiados no fato de que somos um país mestiço -e, de fato, somos-, supusemos que tínhamos aqui uma democracia racial -ou quase. Não a temos -nem quase. Caetano Veloso estava certo quando concordou que a democracia racial no Brasil era um mito e acrescentou: "Mas um belo mito".

De fato, é um belo mito, no sentido de nos fazer orgulhosos de nossa mestiçagem e de nos levar a rejeitar toda discriminação racial. Mas a rejeição é teórica. Na prática, a discriminação no Brasil é fortíssima, conforme todas as pesquisas comprovam. Se o Brasil é injusto no plano social, é ainda mais no racial.

Nas universidades, por exemplo, há apenas 2% de negros estudantes e apenas 1% de negros docentes, embora eles constituam 45% da população brasileira.

É por essa razão que há alguns anos surgiu o movimento no sentido de implantar no Brasil iniciativas de ação afirmativa. Quando o movimento começou, os nacionalistas de ocasião disseram que isso era invenção americana; alguns hesitaram em lembrar o triste argumento do branqueamento gradual; outros apontaram as dificuldades em distinguir as raças no Brasil; a maioria dos contrários argumentou que a definição legal de raças só agravaria a situação.

Por quê? Porque tornaria as diferenças raciais, que no Brasil são muitas vezes imprecisas, claras e, por essa razão, poria em cheque a "paz racial" ou a "harmonia natural" que regeriam as relações de raça no país. Vemos, assim, que há outras versões do mito da democracia racial: versões que colocam a ordem, transmutada em paz e em harmonia, no centro da questão. O conservadorismo de nossa sociedade reaparece assim com toda a força.

Além dos argumentos liberais da igualdade perante a lei, também os argumentos da defesa da ordem ressurgem no debate. A paz social é necessária, mas não é perpetuando a injustiça que ela será alcançada.

Não basta que se almeje "um Brasil no qual ninguém seja discriminado", como diz o manifesto contra. É preciso ter a coragem que 30 universidades brasileiras já tiveram e começar a adotar ações afirmativas contra a discriminação. As ações afirmativas que estão sendo propostas não são apenas justas: são razoáveis. Elas não ameaçam a ordem, apenas fazem avançar modestamente a justiça.

Têm razão os subscritores do manifesto a favor quando afirmam que o documento contra "parece uma reedição, no século 21, do imobilismo subjacente à Constituição da República de 1891: zerou, num toque de mágica, as desigualdades causadas por séculos de exclusão e racismo e jogou para um futuro incerto o dia em que negros e índios poderão ter acesso eqüitativo à educação, às riquezas, aos bens e aos serviços acumulados pelo Estado brasileiro".

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 71, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br

Leiam Mulheres do Vento, Mulheres do Tempo


Release:

Livro homenageia mulheres negras e afro descendentes em dia de evento internacional

No próximo dia 25 de julho, na Câmara Municipal do Salvador, será lançado em evento especial o livro Mulheres do Vento Mulheres do Tempo, para marcar o Dia Internacional de Luta da Mulher Negra da América Latina e do Caribe. A iniciativa em Salvador é da produtora e microempresária Mônica Kalile, fundadora da entidade não governamental e cultural A Mulherada, associando-se com as manifestações que também ocorrerão em diversas cidades brasileiras, nas Américas e no Caribe. O livro, organizado por Mônica e uma equipe de jornalistas e historiador , relaciona em sua primeira edição, 100 mulheres negras e afro descendentes que se destacaram em suas atividades profissionais, desde as mais simples até as mais qualificadas.

Mônica define o livro como uma linha guia para a busca de informações, consulta escolar, pesquisas e análise da ação discriminatória étnica, que ainda atinge as mulheres afro descendentes, mas que foi e tem sido superada por elas, não só conquistando espaços, como estendendo conquistas históricas para o beneficiamento da sociedade como um todo. Entretanto, observa, muitas dessas mulheres não são olhadas em sua importância, minimizando-se ou desprezando a sua influência, quando não qualificadas folcloricamente, como personagens lendárias.

Dentre as 100 mulheres relacionadas como destaque do livro, estão jornalistas, artistas, empresárias, esteticistas, profissionais liberais, culinaristas, domésticas, comerciantes, líderes comunitárias, líderes sindicais, parlamentares e militantes políticas e religiosas, educadoras, dentre outros segmentos.

A edição de Mulheres do Vento Mulheres do Tempo tem o patrocínio da Fundação Palmares e apoio da Fundação Gregório de Matos, Semur ( Secretaria Municipal da Reparação) , Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara de Vereadores e Superintendência Especial de Políticas para as Mulheres - SPM . É composto de 206 páginas contendo fotografias, resumo biográfico e entrevistas sobre fatos marcantes na vida das entrevistadas, que servem como estímulo na luta contra os preconceitos racial e de gênero e outras adversidades na construção de suas dignidades e da história em diferentes dimensões. É a realidade de vida de cada uma contada por elas mesmas, enquanto agente e paciente dos fatos.

Salvador, 18 de julho de 2006.

Contatos: Mônica Kalile: 3326-7166/ 9925-9529 E-mail:mokalile@terra.com.br

Apresentação

Mulheres do Vento Mulheres do Tempo, identificando 100 Mulheres Negras da Bahia, é como um espelho d´água de um imenso oceano de verdades que se mostram na superfície, impulsionadas pelo profundo.

Foi a trajetória na busca desse profundo que levou A Mulherada, através de Mônica Kalile, produtora cultural e fundadora da entidade, a trazer à tona essas Mulheres-Modelos cujas histórias de vida estão fundadas nos mesmos valores de A Mulherada: solidariedade; pioneirismo; transparência; vontade; responsabilidade; inovação.

Ao ressaltar os nomes dessas 100 Mulheres, A Mulherada reconhece todas as Mulheres Afrodescendentes que jamais foram anônimas em seu dia-a-dia, em sua luta, em sua escolha, com vidas e valores tão iguais, porque fundados na mesma verdade das ancestrais que chegaram ao Brasil, pelo maior porto de chegada dos povos do continente africano: Salvador.

A sabedoria e a perseverança das ancestrais apontam para tempos de bonança, para milhões de Mulheres afro-brasileiras que não vão esperar pela felicidade nem pela liberdade, mas que vão continuar buscando essas grandezas na luta plantada pelas ancestrais.

As Mulheres Negras descendentes estão valorizando a trajetória de seu povo, conscientes do sofrimento lhe foi impingido, sem precedentes na história da humanidade. Essas Mulheres descendem de verdadeiras santas, por nós canonizadas, que ofereceram o amor à verdade e a luta pela dignidade como alicerces cravados nessa terra, raízes profundas que formam a alma do povo negro.

O Vento tem se encarregado de provocar e expandir o movimento das Mulheres, como as identificadas nesse belo livro. O Tempo tem atualizado a luta contra toda a forma de discriminação, para a dignidade plena. O Vento e o Tempo, juntos, vêm bradando aos quatro cantos do mundo a situação das Mulheres Negras na Bahia e no Brasil. O Vento chegou! O Tempo é agora!

Ana Maria Felippe

Coordenadora de Memória Lélia Gonzalez

Thursday, July 20, 2006

Aliança Afro Indigena - Aliança Secular


"A alianca Afro-Indígena"

*Deise Benedito.

Na região de Cabrália,mais precisamente em Porto Seguro, após a invasão portuguesa, teve início o processo mais sangrento da história da humanidade, através do genocídio dos povos indígenas, os legítimos donos dessa “terra brazilis”.

A escravização dos povos indígenas e o etnocídio promovido pelos europeus nas terras brasileiras reduziram a população original, devido aos embates sangrentos que foram dirigidos a esses povos que, donos da terra, puderam reagir e não se submeteram à escravidão, durante a exploração do pau-brasil que perdurou até 1530.
O processo de adoção de cotas, no Brasil, teve início com as “capitanias hereditárias”, entre 1530 e 1536 – dezoito ao todo – e com as sesmarias, que estabeleciam sub-reinados a partir da posse da terra.

Sabemos que a escravidão no Brasil e nas Américas promoveu, de forma brutal, o despovoamento do continente africano. Milhões de africanos foram desterritorializados, retirados de seu continente numa travessia atlântica de crueldade sem par. Homens, mulheres e crianças foram os protagonistas do espetáculo mais sangrento daquilo que chamam de “o desenvolvimento do novo continente”.

O sistema escravagista, perpetuando o uso abusivo da força, provocou inúmeras fugas de africanos escravizados para as matas, de onde foram resgatados e recepcionados pelos/as bravos/as guerreiros/as indígenas que, conforme me referi, não se subordinaram às investidas de desbravamento e à ocupação de suas terras.

O povo da terra sabia muito bem o que estava acontecendo com os africanos fugidos, pois, haviam vivido seguidos e violentos embates que resultaram em verdadeira carnificina de diversas etnias indígenas.

Africanos, homens e mulheres escravizados, muitos dentre eles destituídos da nobreza que desfrutavam em terras do continente africano; guerreiros, agricultores, ferreiros, no processo da reconstrução de suas vidas além mar, constituíram um novo padrão civilizatório africano.

Protegidos pelos espíritos das matas, dos companheiros de infortúnio, mesmo não dominando a mesma língua, estabeleceram um pacto em favor da sobrevivência, pela luta e resistência contra a opressão do colonizador cruel e desumano.

Instalam-se no Brasil novas fortificações, verdadeiros centros de resistência. Africanos, indígenas, brancos, todos explorados pelo sistema colonial português, unem-se para resistir às investidas de exploração e escravização da pessoa humana.

Proliferam em várias capitanias os mocambos ou quilombos. Surge, nas Alagoas, o primeiro e mais complexo campo de resistência, o Quilombo dos Macacos, sede do Quilombo dos Palmares, estrategicamente posicionado.

Ali foram estabelecidas novas regras de convivência, novas regras de conduta que podemos constatar como a primeira iniciativa de um movimento social no Brasil.

Alicerçados com o conhecimento da agricultura, da agropecuária, da metalurgia que traziam do continente africano; aplicando novas formas de escoamento da produção, Palmares torna-se o primeiro Estado Afro-Indígena das Américas.

Os povos indígenas absorveram a nova forma de governo e foi estabelecido, em parceria, formas de organização contra as invasões.

Durante o período da escravidão no Brasil, não se tem notícias de conflitos entre negros e indígenas, como nos informa o historiador Flávio Gomes, em “Raça como Retórica”, organizado pela Sra. Ivonne Maggie, no capítulo referente à escravidão no Amazonas e Grão-Pará: muitos dos africanos durante a fuga morriam pela malária e outros conseguiam se salvar e passaram a viver em aldeias indígenas estabelecendo assim novas relações de cordialidade.
A oportunidade de os africanos se organizarem, no quilombo, buscando manter as mesmas formas de vida, como as que tinham nas sociedades no continente africano, foi possível graças à acolhida dos povos indígenas.

Naquele novo lugar os africanos se dedicaram a reconstruir suas vidas, através da cultura, da fé e da resistência.

E qual a situação desses povos irmãos, hoje? Hoje, a população indígena está estimada em pouco mais de 300 mil pessoas. Dizimados, reagindo como podiam à invasão de suas terras; expulsos de seus territórios, degradados pela ausência de políticas públicas, pela falta da demarcação de território; sofrem a invisibilidade, a discriminação, o etnocídio, enquanto, sob a falácia da valorização cultural, relegam suas culturas a “folclore”.

A abolição da escravidão indígena, em 1690, e a decantada abolição da escravatura no Brasil, em 1888, nada garantiram a cada um desses seguimentos populacionais secularmente explorados, aos quais foi deixado absolutamente nada.

Mas o Brasil soube receber povos de além mar! Para o processo incentivado da imigração italiana, polonesa e alemã, foram asseguradas oportunidades, regalias, para integrarem a sociedade brasileira.

Foram-lhes oferecidas condições dignas, concedidos lotes de terras para produção e sobrevivência; incentivos agrícolas e acesso à educação, com liberdade para criar suas escolas, falarem seus idiomas de origem e praticarem suas culturas.

Foi a adoção de “cotas” que beneficiou estes seguimentos que tiveram oportunidade de se desenvolver, num país que tinha nítidas intenção de estabelecer um processo de branqueamento. Esse processo de branqueamento não só promoveu a incorporação da mão-de-obra branca européia, deixando os africanos à própria sorte, como provocou a exclusão dos negros e dos povos indígenas dos bancos escolares.

Durante o período pós-abolição, no Brasil, à elite, que conseqüentemente é branca, sempre foi assegurado tratamento preferencial e favorável!

Nesse momento, estamos diante de um grande desafio, no país: a adoção de cotas para negros e indígenas e a adoção de políticas contra as desigualdades e pela reparação histórica para afrodescendentes e indígenas, conforme prevê a Declaração e o Plano de Ação de Durban.
As ações do movimento negro, no sentido de que sejam implementadas as cotas nas universidades públicas e as mobilizações nacionais devem inserir nossos irmãos indígenas.
O movimento negro brasileiro tem como premissa básica a igualdade e deve considerar o resgate da aliança secular afro-indígena.

Aliança que vem sendo evidenciada, por exemplo, no evento da Eco 92 (RJ), da Marcha Zumbi-1995 (DF); em 2000, na Marcha Brasil Outros 500, que ocorreu em Cabrália, Porto Seguro (BA); aliança durante as conferências preparatórias para a Conferência de Durban; tal como na Conferência de Santiago; na Marcha pelas Reparações em Durban; no Tribunal Afro-Indígena pelas Reparações, promovido pelo Comitê Afro do Brasil, no Fórum Social de 2002, em Porto Alegre (RS); a Aliança Afro-Indígena, na Conferência Nacional de Políticas para Mulheres 2004.

Vivemos um momento ímpar na sociedade brasileira. Todos os holofotes e canhões racistas estão voltados para nós, como no Quilombo dos Palmares.

Assim como nossos ancestrais foram acolhidos e do mesmo modo como foram preservadas as populações quilombolas, é fundamental darmos continuidade à nossa aliança com os irmãos indígenas.

Não podemos olhar apenas para nós. Somos diferentes, sim, mas padecemos do mesmo mal da discriminação e do preconceito. Sempre lutamos contra o estigma do preconceito, reivindicando igualdade de oportunidades para todos e para todas.

Nossa luta tem caráter nacional e já ganhou reconhecimento internacional. Nesse momento, temos a oportunidade de mostrar à sociedade brasileira que juntos, negros e indígenas, somos mais fortes, porque assim sempre fomos, reagindo à opressão, desde o primeiro momento em que nos encontramos nessas terras do Brasil.

É hora de, mais uma vez, agregarmos as lideranças indígenas num processo de dignidade e resgate de cidadania, de direitos. A vida continua e a história desse país precisa ser contada por aqueles que, verdadeiramente, reconhecem esse solo como a sua terra, o seu fundamento, porque as terras férteis do Brasil foram regadas, de norte a sul, com sangue índio e sangue negro.

Deise Benedito
Presidente da Fala Preta Organização de Mulheres Negras
Fórum Nacional de Mulheres Negras.